Sujeito corpulento, de bigode farto, entra na sala do meu departamento. Não dava pra sacar a expressão dele por causa dos pêlos amarelados que cobriam a boca. Eis que ele corta pra cá, pra lá, contorna minha divisória, veja só!, e se apóia - feladaputa! - na porra da minha mesa, amassando meu encarte do Flaming Lips de papel laminado. Pra fuder de vez, o tranqueira ainda faz menção pra eu tirar meus fones.
- Paulo, certo? Aqui estáá... vamos lá... pronto. Seu convite para nossa confraternização de fim de ano.
- Hein? Quem é você?
Sério, nunca vi. Mas ele não se agradou muito da pergunta, pelo visto. Cobriu metade dos olhos com as pálpebras enrugadas e falou sem muita entonação positiva:
- Sou o chefe da repartição.
- Aaah.. haha. Tá certo. O senhor tirou a barba, doutor Tavares?
- Desde os 25 anos. E o doutor é Silveira.
- Claro.
- Enfim, esteja lá.
Um a zero pro Silveira. Tomei no cu. Tenho culpa se ele nunca aparece ali?
No dia da festa, eu estava lá, de bermudão e camiseta, curtindo as skólicas, começando a apontar os dedinhos pra Jesus, ouvindo a porra do disco do Benito de Paula que o chefe trouxe - dizem - pa pa pa pa-para animar a festa. Me cheguei no Catita, do almoxarifado, porque eu vi um despacho interessante arrastando as sandálias perto da piscina.
- Catita, e aquele lanchinho ali, quem é?
- Rapaz, é estagiária de RH, Amanda. Mas v...
- Só preciso disso mesmo. Fica aí.
Eu me vi num corredor pro céu, daqueles cheios de luz branca. Já tava vendo a menina tocando harpa com aqueles fios de cabelo lôro. Peguei uma dose do Daniel Andarilho que se eqüilibrava com dificuldade na bandeja de um garçom e me cheguei na moçoila.
- A gatinha bebe leite?
- Só se for integral.
- Então chamegue comigo, venha.
Não danço. Não gosto e nem sei. Mas o álcool é divino. Tanto que até Jesus bebia. A bichinha dançava coladinho, testa com testa. Peguei a danada pela cintura e arrastei pro meu lado. Aí aqueles moranguinhos ficaram colados no meu peito. Daí pra encoxar a menina foi um pulo. O negócio tava esquentando, e o negócio esquentando, e a gente parecendo duas cobras fornicando. E nessa historinha de ficar entornando e dançando, acabei nem percebendo o burburinho que as pessoas ruminavam ao nosso redor. Quando vi, já tinham formado aquele círculo de briga de galo, cheio de olhares atônitos.
Aí eu vi o Silveira - graaande chefe da repartição - olhando pra mim, admirado. Acho que ganhei o respeito dele, até porque ele parecia que tava babando pela Amanda. Tanto que, num intervalozinho pra moça ir ao banheiro, ele se chegou pra perguntar:
- Rapaz, o que é isso? - falou baixo e rouco no meu ouvido.
- O maior pitéuzinho que eu já vi nessa empresa, doutor Silveira. Eita cabrita pra dançar pra porra!
- Isso é um absurdo! - ele se tremeu. Parecia excitado, o velho. Hahaha.
- É que o senhor ainda não agarrou as coxas dela.
- Olhe, meu rapaz! - gritou. Você está bêbado...
- E doido pra fofar, meu querido! Hahaha.
- ... e se atracando com minha filha!
- Eita, porra...
Lembram do círculo? Dissipou-se. Procurei o Catita com os olhos. Ele deu de ombros, fez cara de "tentei te avisar" e se saiu. Pra fuder de vez, já que aquilo ainda era pouco, inventei de fazer piadinha.
- Doutor Silveira, tenha calma. Deixe eu lhe pagar um passaportezinho.
- Quem pagou toda essa merda aqui... FUI EU!
- Tenho alguma chance?
- Tem, sim, meu amigo. Tem, sim. Grandes chances de ir pra puta que o pariu! Semana que vem, passe na minha sala, se souber onde é.
- Pois é... eu não sei mesmo.
- Fora daqui!
E foi aí que recolhi meus picuai pra virar escrevedor de blog de segunda.